Em posts anteriores, já fizemos algumas abordagens sobre o glucagon e sua ação. Porém, encontrando este artigo, resolvemos ir mais a fundo no tema, descrevendo a fisiologia desse hormônio in vivo. Então, prontos para estudar um pouco? Prometo que iremos facilitar para vocês!
Mas antes de falarmos sobre o glucagon em si, precisamos entender onde ele é produzido. Sendo assim, começaremos pela anatomia das ilhotas pancreáticas, ressaltando os seguintes pontos sobre esse aglomerado de células:
- 10% da ilhota é constituída por células-alfa, produtoras de glucagon.
- 80% do volume de células é composto por células-beta, produtoras de insulina.
As células-alfa, por sua vez, se localizam próxima às células-beta, o que sugere a existência de uma interação direta entre os dois tipos de células. Falaremos mais sobre essa interação ao longo do post.
Repare na imagem que, no meio da ilhota, existem pequenas artérias responsáveis por supri-la. Essas arteríolas irão se ramificar formando uma rede de vasos extremamente finos, os capilares, por onde acontece às trocas de substâncias entre o sangue e as células.
Esses capilares atingem primeiro as células-beta para depois suprir as células-alfa (do centro para fora). Dessa forma, o sangue chega às células-alfa superconcentrado de insulina que irá interagir com essas células, suprimindo a todo tempo a secreção de glucagon.
Por fim, o sangue sai das ilhotas pancreáticas e, em seguida, é drenado para a veia porta, expondo o fígado a altas concentrações de glucagon.
Até aqui, revisamos a anatomia das ilhotas pancreáticas e a sua vascularização, restando apenas explicar a sua inervação, antes de partimos para a fisiologia do glucagon de fato.
Sobre a inervação, destacamos os seguintes pontos:
- As ilhotas são inervadas pelo sistema nervoso autônomo (SNA), que é a parte do sistema nervoso que regula as funções cujo controle é involuntário, tais como a digestão, a circulação sanguínea, a excreção pelos rins, etc.
- Os dois tipos de nervos desse sistema, simpáticos e parassimpáticos, seguem as arteríolas até as ilhotas e liberam seus produtos (neurotransmissores) próximos às células alfa e beta.
- O principal fator responsável pela estimulação da secreção desses neurotransmissores pelos nervos é a hipoglicemia.
- Em resposta a esses neurotransmissores, especialmente os secretados pelos nervos simpáticos, ocorre uma liberação de glucagon pelas células-alfa.
Ação no Fígado
Agora sim, podemos discutir sobre atuação da molécula de glucagon no nosso corpo. Primeiramente, é importante dizer que seu maior local de ação é o fígado, e podemos explicar o porquê:
- O fígado é o primeiro órgão a receber o sangue vindo a da veia porta, rico em glucagon, lembra? Pois então, sabe-se que ele é exposto a concentrações 2 a 3 vezes mais alta que os outros órgãos. Logo, a maior parte dessa concentração de glucagon é utilizada no tecido hepático.
- Existem receptores de glucagon em diversas partes do corpo. Porém, os níveis de glucagon na circulação são normalmente abaixo dos níveis necessários para ativar esses receptores. Sendo assim, sua ação nesses tecidos se torna limitada. Em contrapartida, os níveis de glucagon na veia porta são altos o bastante para ativar os numerosos receptores existentes no fígado, que por sua vez ativarão uma grande cascata de reações que desencadearão na produção de glicose por esse órgão.
A produção de glicose no figado ocorre por dois processos: glicogenólise e gliconeogênese
A glicogenólise nada mais é que do que a quebra dos depósitos de glicose no fígado. Quando nosso corpo entra em hipoglicemia, no jejum por exemplo, o glucagon é secretado em maior quantidade pelas células-alfa e age no fígado ativando a quebra desse glicogênio para fornecer glicose ao organismo em necessidade.
Já a gliconeogênese (“formação de novo açúcar”) compreende o processo pelo qual a glicose é produzida a partir de moléculas de aminoácidos, trazidos dos músculos, e de glicerol, derivado da gordura corporal.
“Quando o nível de glicose no sangue diminui, o hormônio glucagon sinaliza para o fígado produzir e liberar mais glicose e parar de consumi-la para suas próprias necessidades. Uma das fontes de glicose é o glicogênio armazenado no fígado; outra fonte é via gliconeogênese, usando piruvato, lactato, glicerol ou determinados aminoácidos como material de partida.”
PRINCÍPIOS DE BIOQUÍMICA DE LEHNINGER. 6° ED.
Duração do Efeito
O efeito do glucagon na produção de glicose é descrito como “evanescente”, pois é um efeito transitório. De fato, o aumento do glucagon leva um pico rápido de produção de glicose, que depois vai caindo lentamente.
Parte do efeito “evanescente” do glucagon deve-se ao aumento da glicose no sangue, que estimula a secreção de insulina. Por fim, tanto a glicose quanto a insulina inibem a ação do glucagon
Resposta do Glucagon à Hipoglicemia
Foram proposto 3 mecanismos:
- Efeito direto da hipoglicemia estimulando as células-alfa: Apesar dos baixos níveis glicose in vitro aumentarem a secreção de glucagon de um pâncreas isolado , expor apenas as células-alfa ao baixo nível de açúcar falha em estimular diretamente a secreção de glucagon.
- Bloqueio da inibição das células-beta: essa hipótese de que o desligamento da inibição das células beta sobre as células-alfa ajuda a estimular a secreção de glucagon durante a hipoglicemia é evidenciada por uma variedade de dados colhidos in vitro. Porém, em estudos in vivo, as evidencias do papel da célula beta é confuso.
- Estimulação neural das células-alfa: De fato, um bloqueio farmacológico dessas vias prejudica a resposta do glucagon à hipoglicemia. Em adição, a ruptura cirúrgica experimental dessas vias neurais também produz um comprometimento semelhante. Portanto, esses dados sugerem que a ativação autonômica é o maior mediador da resposta do glucagon à hipoglicemia.
Secreção de Glucagon no DM1
Na cetoacidose diabética: o nível de glucagon no sangue pode estar aumentado, o que contribui tanto para o aumento de cetonas quanto para a hiperglicemia. Em indivíduos normais, essa hiperglicemia produzida inibiria a secreção de glucagon, mas em pacientes com DM1 isso não ocorre.
Dois fatores contribuem para que isso ocorra:
- A diminuição de volume normalmente presente na cetoacidose ativa os nervos simpáticos (esses nervos são responsáveis por estimular a secreção de glucagon, lembra?)
- Na DM1, a severa destruição das células beta remove aquela comunicação entre elas e as células alfa, ou seja, as células beta não mais suprimem as células alfa.
No tratamento com insulina: como a a inibição da secreção do glucagon depende de níveis altos de insulina dentro da ilhota, os pacientes de DM1 normalmente possuem níveis de glucagon um pouco elevado, mesmo com o tratamento (afinal, as células betas estao destruida e a insulina do tratamento circula apenas no sangue)
Na hipoglicemia induzida pela insulina (HII): apesar dos pacientes com DM1 terem essa pequena elevação dos níveis basais de glucagon, a resposta do glucagon nas situações de hipoglicemia esta perdida/prejudicada em pacientes com DM1. Mas por que isso acontece?
Bom, a magnitude da resposta do glucagon à HII depende do reconhecimento da hipoglicemia pelo nosso cérebro, que ativa o sistema nervoso autônomo para estimular a secreçao do glucagon. Entretanto, evidências sugerem que existem defeitos tanto funcionais quanto estruturais nessas vias neurais para as ilhotas pancreáticas no DM1. Dados de estudos revelam uma significante perda nervos simpáticos na ilhota em pacientes com DM1. Logo, essa precoce neuropatia pode parcialmente explicar o prejuízo da resposta do glucagon à hipoglicemia induzida por insulina visto em DM1.
Para concluir nosso artigo e garantir que todos tenham entendido as funções do glucagon, como agem, o que estimula sua liberação e as alterações ocorridas em pacientes com DM1, fizemos o esquema abaixo resumindo as principais informações.